Geraldo da Silva, 60, é
um típico criador nordestino. Mora no sítio Saquinho, no pequeno município de
Poção (a 241 km do Recife). Mesmo enfrentando uma seca severa desde 2012,
conseguiu melhorar de vida.
O "milagre"
em meio à falta de água veio pela criação de cabras, com o que conseguiu ter
dinheiro inclusive para realizar a primeira festa de aniversário da mulher.
"A gente aqui não
sabia o que era um aniversário. Mas, com a criação, tive dinheiro. Resolvi
fazer, há três anos, e dei uma cabra a ela. Foi o primeiro presente que ela
ganhou e ficou muito feliz", conta Geraldo, que cria 40 animais para
produção de leite.
Ele deixou de lado a
criação de vacas que possuía até 2012. "Se não fosse eles, não sei o que
seria daqui, acho que eu teria ido embora."
A caprinocultura
(criação de bodes e cabras) se tornou uma salvação para muitos sertanejos, que
vivem sob estiagem prolongada no semiárido nordestino. A situação costumava
vitimar os animais na região. Em 2012, por exemplo, pelo menos 4 milhões de
animais morreram.
Desde o início da seca,
os principais rebanhos da região encolheram, como os bovinos e suínos. Na
contramão, bodes, ovelhas e carneiros cresceram.
Segundo dados do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), o número de caprinos cresceu
6,4% entre o final de 2011 e o final de 2016, chegando a 9 milhões de animais
no Nordeste - o que representa 91% do rebanho do país.
No caso dos ovinos, o
crescimento foi ainda maior: 15%, alcançando 11,6 milhões de carneiros e
ovelhas - o equivalente a 63% dos animais criados no Brasil.
Criações reduzem êxodo
Pernambuco é destaque
na criação de caprinos. O Estado tem 2,5 milhões desses animais, atrás apenas
da Bahia, com 2,7 milhões (mas que tem uma área sete vezes maior do que a
pernambucana).
"Estamos saindo de
um período de seis anos de seca e, por incrível que pareça, nunca vi um caprino
morto de fome", diz Paulo Fernando de Oliveira, técnico em agropecuária do
Cedapp (Centro Diocesano de Apoio ao Pequeno Produtor, entidade que atua com
assistência técnica em cidades do agreste).
Uma das vantagens de
criar caprinos é o valor agregado, já que o leite da cabra hoje é vendido por
quase o dobro do tradicional leite de vaca: R$ 2,03 e R$ 1,10, respectivamente.
"É um animal de
rentabilidade rápida e ciclo de reprodução rápido e que tem garantido a
sobrevivência em meio à seca. O êxodo rural diminuiu muito por ele, teve gente
que já voltou do Sudeste para criar animais", completa Oliveira.
Confinamento para
abater mais rápido
No sertão baiano, onde
existem 3,5 milhões de ovinos, o jornalista Gustavo Acioli comprou uma pequena
propriedade em Brumado (540 km de Salvador) há dois anos para apostar no
cordeiro. Hoje, ele tem cerca de 250 animais.
No sítio, ele fica com
os animais por um período entre 45 e 90 dias para engordar o cordeiro e
revender para o abate. "Faço o que chamamos de terminação, que é só o
confinamento. Compro o animal mais novo e submeto a uma dieta balanceada,
permitindo que ele alcance um ponto de abate muito mais rápido do que se estivesse
na caatinga", explica.
Ele conta que em 2015
decidiu estudar sobre a ovinocultura. Viu que o semiárido era um bom local para
iniciar a produção.
Hoje, Acioli vende os
cordeiros para o Distrito Federal e para São Paulo, onde há procura por animais
de carne de primeira linha.
Ele diz que o mercado
ainda tem espaço para expandir, mas que as criações precisam ser menos
rudimentar.
"É um desafio para
a nossa região melhorar a qualidade genética e a condição alimentar a que esses
animais são submetidos. É importante que esse pequeno criador seja capaz de
produzir um animal para um padrão mais exigente. Isso porque, se ele abater
animais muito velhos, a carne estará bombardeada pelos hormônios da
masculinidade do animal. Ou seja, não é só oferecer a carne, mas que carne você
vai oferecer", diz.
"Diminuíram em
tamanho, mas ganharam adaptações"
A explicação para a
sobrevivência de ovinos e caprinos no semiárido é genética. "Os ovinos e
especialmente os caprinos têm habilidades diferenciadas que se adaptam bem à
região. O bode e as cabras conseguem se alimentar na posição bípede e alcançam
partes mais altas de vegetações que outros não alcançam, por exemplo",
afirma Francisco Ramos, professor de departamento de zootecnia da UFRPE
(Universidade Federal Rural de Pernambuco).
"Já os ovinos são
selecionadores médios e variam sua dieta. Na época de seca, eles também têm
essa habilidade", completa.
Segundo Ramos, os
caprinos e ovinos vivem no semiárido há pelo menos 400 anos. Hoje, as
principais raças leiteiras têm origem europeia e se adaptaram ao clima local.
"Eles diminuíram
em tamanho, mas ganharam adaptações", explica. "São grupos animais
com grande potencial de produção. Desde que se dê condições a esses animais
exóticos, eles sobrevivem."
O professor ainda
explica que os animais sofrem com a seca, mas o clima local oferece vantagens
para a criação. "Aqui as fêmeas estão no cio o ano inteiro. E, como chove
pouco, diminui a incidência de verminoses", diz.
Ramos afirma que o
número de animais no Nordeste ainda é pequeno. Segundo ele, cada caprino
consome em média entre 4,5 litros de água por dia. "É pouca água, se
comparar com uma vaca, que consome de 40 a 50 litros, e que não tem essa
capacidade de alimentação que os caprinos têm. A caatinga tem oferta de
forragem pequena", explica.
Caprilvirtual/Simon Plestenjak/UOL
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